quarta-feira, 17 de março de 2010

As razões conjunturais do golpe de 1889

A Doutrina Monroe e o Manifesto Republicano. Concorrência dentro do mesmo continente

Os Estados Unidos (da América do Norte) surgiram para o mundo como um país pequeno e frágil, de início delimitado às 13 ex-colônias inglesas da América do Norte, experimentando uma rápida expansão para Oeste, sobre os territórios da Louisiana e mexicanos. Nesta época, já no inicio do século XIX, eclodiam revoltas por toda a América, ocasionadas por insurreições nativistas que buscavam a independência de suas regiões da metrópole colonizadora. Os movimentos iam surgindo das mãos das elites crioulas que se formavam no seio das Américas.

Na Europa, o quadro não era menos grave. Em 1823 a Espanha foi ocupada por forças da Santa Aliança, sufocando um levante liberal. Assim, em outubro, Fernando VII recuperou seu trono e o poder graças às forças enviadas do exterior em seu amparo. Com tal retomada a Espanha viu-se seriamente tentada a retomar suas colônias americanas, ocasião em que os Estados Unidos criaram a Doutrina Monroe, nascida de mensagem enviada ao Congresso daquele país pelo seu presidente James Monroe. Tal mensagem se opunha de inicio à Santa Aliança e à tentativa de recolonização das Américas.

De início, os princípios de tal doutrina eram meramente defensivos. Os Estados Unidos colocavam-se como protetores das nações latino-americanas recém-emancipadas, repudiando qualquer intervenção armada programada pela Santa Aliança. A mensagem era ao mesmo tempo uma advertência às potências européias no sentido de que não tentassem recolonizar o continente, nem interferissem nos princípios republicanos referentes ao processo de emancipação e ao mesmo tempo um oferecimento: os Estados Unidos, em troca, deixariam de intervir nos negócios pertinentes aos países europeus.

A mensagem tornou-se o pilar das relações dos Estados Unidos para com o mundo daquela época e para com os seus vizinhos. Mas, com o passar do tempo, ela serviu como pretexto para os mais variados intervencionismos norte-americanos no continente e áreas contíguas.

De início, como visto, tal doutrina tinha caráter defensivo. Contudo, com o fim da Guerra da Secessão, em 1865, com a vitória do Norte seguida de um impressionante crescimento do poderio econômico dos Estados Unidos, alavancado pela industrialização e pela entrada de novos consumidores no "mercado" americano (leia-se ex-escravos) a doutrina, na sua vertente ativa, foi sendo posta em prática. De nítida inspiração defensiva, passou a ser utilizada como justificativa intervencionista, como um embasamento para a subordinação de parte da América Latina aos interesses econômicos e estratégicos dos Estados Unidos.

Com a superação do perigo de retomada colonial da América, os Estados Unidos não precisavam mais se preocupar com a defesa de sua independência, ameaçada que estaria com a presença das potências européias em grandes áreas do continente (a bem dizer às suas portas); passou então a eliminar a concorrência interna. Dentro deste contexto surge a doutrina do Destino Manifesto: "A pura raça anglo-americana está destinada a estender-se por todo o mundo com a força de um tufão. A raça hispano-mourisca será abatida". - New Orleans Creole Courier, 27.01.1855.

Neste ponto, o outro país continental das Américas era a mais séria preocupação. Os Estados Unidos sabiam que não haveria espaço para duas novas potências mundiais no âmbito do mesmo continente. Este concorrente tinha ainda por cima um regime hostil e distante do americano e próximo dos regimes existentes na Europa e mais fácil, portanto, de ser digerido como "fato consumado por aquelas potências": o Império do Brasil. Seria preciso neutralizar o Brasil, ou ao menos ter um poder simpático instalado neste país.

Neste sentido, em socorro ao Destino Manifesto, surge outro documento, o Manifesto Republicano publicado no dia três de dezembro de 1870, no jornal A República, no Rio de Janeiro, que literalmente dizia:

"Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam.
( in "O Primeiro Centenário do Manifesto Republicano de 1870", separata da Revista de História n.84,1970, apud Reinaldo Carneiro Pessoa (org.), A Idéia Republicana no Brasil Através de Documentos, São Paulo, Ed. Alfa-Omega, 1976, pp.39-62).

Assim como se pode ver, tal manifesto é antes um manifesto de aceitação e submissão à Doutrina Monroe e abandono de um processo civilizatório distinto, deveríamos ser uma república, deveríamos ser Estados Unidos, enfim, deveríamos ser [dos] americanos. Fica claro e em nenhum ponto é omitido (muito pelo contrário: é explicitado) o embasamento político e teórico para a "nascente república".

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