quarta-feira, 17 de março de 2010

A política externa do Império e a guinada republicana - Congressos pan-americanos e intervenções americanas

O Império brasileiro, era a franca tentativa de inserção de um modelo civilizatório distinto da proposta norte-americana dentro do continente americano, aliás, exemplo único tendo em vista as diversas republiquetas que foram surgindo em nossa volta. Era antes uma tentativa de se matizar o modelo europeu com as particularidades locais.

Dentro deste contexto o Império brasileiro sempre buscou pautar-se pela independência na política externa e na defesa, única e exclusiva, dos interesses nacionais.

Muito desta política e de sua posterior mudança pode ser verificada quando dos congressos pan-americanos do século XIX e início do século XX. No primeiro destes congressos, o do Panamá (1826), foi onde praticamente nasceu o ideal pan-americano. Convocado por iniciativa de Bolívar, realizou-se entre 22 de junho e 15 de julho de 1826, com a presença de delegados de países latino-americanos, além de observadores europeus (Grã-Bretanha e Holanda). O objetivo era a constituição de uma confederação de nações americanas.

Os interesses Ingleses e norte-americanos se debatiam neste congresso. A Inglaterra não estava disposta a que surgisse um contraponto entre o monarquismo europeu e a republicanismo americano, enquanto a posição americana seria no sentido de, até em obediência à recém-nascida Doutrina Monroe, fomentar este contraponto. Os regimes políticos e econômicos dos Estados Unidos deveriam ser copiados pelas nações americanas, numa tentativa de tornar a república inerente às Américas e a Monarquia inerente ao velho mundo. Além disto, o Departamento de Estado norte-americano tinha a clara intenção de neutralizar o mais possível a ingerência comercial inglesa nas novas nações e de infundir nestas a confiança nas "instituições republicanas".

Neste congresso a delegação norte-americana, contudo, sequer compareceu deixando um campo livre aos ingleses para que se impedisse a formação da política das duas esferas e da liderança formal dos EUA sobre as nações latino-americanas. Até aquele momento, portanto, a hegemonia inglesa sobre o mundo era inconteste e poucas potências regionais iam surgindo.

Assim pela ausência norte-americana neste congresso, e pela posição inglesa contrária ao surgimento de um "contraponto" de regimes "americanos" e "europeus", é que a Monarquia brasileira avançava e dava frutos no gigante do Sul, temido e visto com desconfiança tanto pelos vizinhos latino-americanos como pelo outro gigante do Norte, que via assim a exceção à política de contraponto se corporificar.

Todavia, o encontro serviu de precedente para novos congressos pan-americanos. Sob este mesmo pretexto, os Estados Unidos convocaram, no fim do século XIX, os países da América Latina para um novo congresso internacional americano em Washington. O nascente capitalismo industrial norte-americano precisava se expandir e conquistar novos mercados consumidores (com o esgotamento do mercado interno e a sobra de capitais para investimento) sendo interessante para os Estados Unidos adotar a retórica pan-americanista nas suas relações com a América Latina.

Assim, os Estados Unidos buscaram sua inserção no rol das novas potências e, a exemplo destas, procurou colônias que forneceriam a matéria-prima para sua nascente industria e expansão de seu espaço vital econômico e neste ponto a América Latina era alternativa óbvia.

De se verificar, contudo que não poderia ser um colonialismo "oficial", tendo em vista que o embasamento teórico seria justamente a Doutrina Monroe, que asseguraria a "Independência" dos países americanos sob as "Instituições republicanas". Assim, surge um novo tipo de colonialismo que somente no século seguinte seria "copiado" pelas potências européias, esteado na "independência" política formal da colônia, mas alicerçado na mais completa dependência econômico -financeira e cultural da sociedade dominada.

Dessa feita ocorreu em Washington, no período de 20 de outubro de 1889 a 19 de abril de 1890 nova conferência internacional americana. Esta foi talvez a primeira tentativa clara e explicita de dominação econômica dos Estados Unidos sobre seus vizinhos do Sul com a tentativa de criação de união aduaneira entre os países americanos, para encher os mercados latino-americanos de seus produtos industrializados e impedir a industrialização destes, especialmente do gigante do Sul. O Império do Brasil foi veementemente contrário a qualquer tentativa de união aduaneira e, assim, sua delegação foi instruída para rejeitar qualquer proposta que fosse feita neste sentido, reafirmando recusa já feita em 1887 ao então presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland.

Ficou claro que o gigante do Sul era um claro empecilho à política da "América para os Americanos", primeiro devido ao seu próprio tamanho; segundo, pela contradição que seu regime representava à política propalada pelos norte-americanos, da oposição do republicanismo americano ao monarquismo europeu e conforme a firmeza e a segurança institucional que o regime brasileiro representava, permitindo a tomada de posições independentes e unicamente voltadas para o interesse nacional.

Ficava evidenciado aos norte-americanos que somente a queda do regime monárquico permitiria aos Estados Unidos a plena hegemonia no continente, não se podendo esquecer que, durante o Império, o Brasil era uma potência ativa, intervindo em outros países sul-americanos, ocupando o Paraguai, destituindo Rosas na Argentina e sendo dono ainda de uma poderosa armada.

Assim, a república no Brasil era de total interesse para os Estados Unidos, pois certamente seria um regime mais fraco, sem representatividade, que necessitaria do apoio externo e teria que barganhar com tais interesses sua permanência e existência.

Como comprovação basta verificar-se o desfecho da questão acima, já sob o regime republicano, onde o novo ministro plenipotenciário do Brasil em Washington, Salvador de Mendonça, autorizado pelo ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, firmou um convênio aduaneiro bilateral com os Estados Unidos em 31 de janeiro de 1891.

A partir de então o país adotaria uma postura subalterna em relação aos Estados Unidos, inclusive aliando-se à América do Norte em questões políticas e econômicas, contrárias aos interesses nacionais, cujo ápice caricato se dá na chamada política da "boa vizinhança", onde os filmes de Hollywood mostram um Brasil primitivo, erótico e indolente, que aprende com os modernos Estados Unidos como se faz uma "república".

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